Objetos de aprendizagem a serviço do professor
Publicado em: 19 de Novembro de 2004 | Atualizado em: 19 de Novembro de 2004
LO é a sigla que pode transformar para melhor a forma de ensino-aprendizagem em sala de aula. Abreviatura de “learning objects” ou, em português, objetos de aprendizagem, a tecnologia já possui boas iniciativas nessa área em escolas do Brasil e do mundo, com resultados promissores.
A boa notícia é: professores continuam sendo os protagonistas. Nada de substituí-los por máquinas nem relegá-los a papéis coadjuvantes. Ao contrário, com os objetos de aprendizagem os docentes passam a ter uma ferramenta poderosíssima para transformar o aprendizado em um grande prazer para os alunos.
Para desvendar esse mundo e descobrir como eles são úteis no dia-a-dia, batemos um papo com César Nunes, educador que está desenvolvendo o projeto Objetos de Aprendizagem na Escola do Futuro da USP.
Também conversamos com Alexandre Gallota, que é o especialista em técnicas e processo de orientação desse projeto.
Os entrevistados
Alexandre Gallotta, 37 anos, doutorando em Ciências da Computação, é gerente de Programas Educacionais da Microsoft.
César Augusto Nunes, 42 anos, especialista em física de partículas e teoria de campos, é doutor e pesquisador da Escola do Futuro da Universidade de São Paulo.
1. Quais as principais vantagens para o aluno em usar objetos de aprendizagem?
Nunes: No processo de aprendizagem os alunos passam por várias etapas: relacionam novos conhecimentos com os que já sabiam, fazem e testam hipóteses, pensam onde aplicar o que estão aprendendo, expressam-se por meio de várias linguagens, aprendem novos métodos, novos conceitos, aprendem a ser críticos sobre os limites de aplicação dos novos conhecimentos, etc. A vantagem dos objetos de aprendizagem é que, quando bem escolhidos, podem ajudar em cada uma dessas fases. Existem objetos de aprendizagem muito bons para motivar ou contextualizar um novo assunto a ser tratado, outros ótimos para visualizar conceitos complexos, alguns que induzem o aluno a certos pensamentos, outros ideais para uma aplicação inteligente do que estão aprendendo ... Quando os objetos são interativos, consegue-se que o aluno tenha um papel bastante ativo. Permite-se ainda que o aluno se aproprie do objeto e o utilize inserindo em seus próprios trabalhos para comentários, ilustrações, críticas etc, e assim consegue-se uma aprendizagem ainda mais significativa.
Gallotta: Os objetos de aprendizagem permitem a construção de contextos digitais para os conteúdos que serão explorados. Esses contextos fazem uso de uma série de ferramentas midiáticas, tais como música, desenhos, gráficos, simulações, jogos etc. A contextualização permite aos alunos traçar mais facilmente uma relação entre determinado conteúdo e suas aplicações práticas e enxergar a interdependência das várias disciplinas. Uma fórmula de física, por exemplo, deixa de ser uma seqüência de variáveis, operações e números e passa a ser a base para uma atividade cotidiana representada pelo objeto. O aluno de hoje sofre um intenso bombardeio de informações digitais, é um ambiente que ele entende muito bem, nada mais natural do que se utilizar desse mesmo ambiente para incorporar conteúdo e conhecimento.
2. Quais os benefícios dos objetos de aprendizagem para o professor?
Nunes: Para o professor o processo é semelhante ao do aluno. Se o professor tem à sua disposição uma grande quantidade de objetos, dos mais diferentes tipos, ele pode planejar suas aulas fazendo uso deles, conseguindo maior flexibilidade para se adaptar ao ritmo e ao interesse dos alunos, mantendo seus objetivos de ensino.
Gallotta: Além de encapsular um determinado conteúdo em si, o objeto de aprendizagem é uma ferramenta que permite ao professor chegar mais facilmente no mundo de interesse dos alunos. É uma nova forma de transmissão do conhecimento, mais colaborativa e com maior interação do aluno. A passagem do conhecimento deixa de ser unilateral e o aluno passa a ter um papel mais ativo no processo.
3. Como é feita a preparação dos professores para o uso de objetos de aprendizagem?
Nunes: Basicamente o que se faz é discutir os processos de ensino e aprendizagem e o quanto a disponibilidade de recursos dos mais diferentes tipos pode trazer de flexibilidade e ganhos na aprendizagem dos alunos. Essa preparação não é fácil pois existe uma certa acomodação por parte de alguns professores que seguem seqüências didáticas pré-determinadas ou propostas em livros. No caso dos objetos de aprendizagem o trabalho está em pensar nos objetivos de aprendizagem a serem alcançados e a partir deles, planejar atividades com o uso dos novos recursos. Logicamente, os objetos de aprendizagem são um recurso a mais. Em alguns casos eles não são a melhor pedida. Em outros, são ideais. É o professor quem decide.
Gallotta: Existem várias formas de utilização de objetos de aprendizagem no ensino, bem como existem vários tipos de objetos de aprendizagem. O ponto básico da preparação do professor é que ele deve ser capacitado para utilizar todos os recursos da tecnologia computacional como uma ferramenta. Além dessa capacitação básica é necessário prepará-lo para as novas demandas da nova geração. O professor tem que entender que o nível de exigência e de exposição dos alunos às novas tecnologias é muito maior do que o dele. Portanto deve se reciclar para conseguir se comunicar com a nova geração digital.
4. Os objetos de aprendizagem estão sendo empregados na prática?
Nunes: Eles estão sendo empregados, mas ainda não com todo seu potencial. Primeiro, seria necessário que tivéssemos mais objetos à disposição. Alguns países como o Canadá tem iniciativas governamentais bastante sérias de “popularizar” repositórios de objetos de aprendizagem para incentivar seu uso. Depois, o fato de ter esses objetos de aprendizagem à disposição precisa ser acompanhado de uma nova abordagem pedagógica na qual o aluno tem um papel ativo em encontrar, criticar, recombinar, modificar e mesmo criar novos objetos.
Gallotta: Existem algumas experiências brasileiras de desenvolvimento de objetos e de utilização deles na educação. Porém ainda existem poucos objetos públicos disponíveis e é necessária a criação de uma massa crítica de objetos para que se expanda a sua utilização efetiva. A iniciativa Parceiros na Aprendizagem da Microsoft tem apoiado esse projeto de médio prazo no Brasil.
5. Os objetos de aprendizagem podem ser criados para auxiliar todas as disciplinas?
Nunes: Sim. Não existe prescrição. Alguns deles são bastante flexíveis e podem ser utilizados em muitos casos. Por exemplo, as chamadas “ferramentas de pensamento” do tipo objetos que permitem gerar mapas conceituais, classificadores, diagramas causa-efeito etc. Eles são “objetos pré-prontos”. Os alunos é que inserem o conteúdo para terminá-los e disponibilizar na Internet suas versões pessoais. Isso permite que o professor proponha trabalhos bastante significativos, uma vez que parte dos interesses e contextos dos próprios alunos.
Gallotta: Sem nenhuma restrição.
6. Existe alguma disciplina em que os objetos são especialmente recomendados?
Nunes: Os objetos são flexíveis. Por exemplo, imagine um objeto onde o aluno pode explorar o ciclo de vida de uma estrela. A estrela nasce, vive e morre em um período de milhões ou bilhões de anos. O aluno pode visualizar esse processo através de linhas do tempo, inclusive relacionando as escalas temporais com a da formação dos planetas, do próprio universo, ou do surgimento da vida. Pode também usar classificadores para entender que tipo de matéria ou partículas existem em cada momento. Para isso pode também ver como são as reações através de simuladores. Os níveis de explicação podem ser bastante diferentes, ora voltados ao ensino básico, ora ao ensino superior. Todas as possibilidades podem ser cobertas a partir da combinação de objetos de aprendizagem. Quando se pensa em objetos de aprendizagem do tipo “simulação”, alguns processos são bastante apropriados para o uso dessa mídia: movimentos que obedecem leis como as da física, interação entre agentes como nos sistemas ecológicos, relações de causa e efeito que se modificam conforme a alteração das condições iniciais ou das relações entre as diversas partes, como nas condições de meio ambiente etc.
Gallotta: Eles são mais facilmente adaptados às disciplinas que se utilizem bem de simulações de eventos, tais como Física, Matemática e Química. Porém todas as disciplinas podem se utilizar de objetos. Por exemplo, podemos criar objetos que façam uso extensivo de vídeo, música, mapas e histórias para o ensino de Geografia e História, além de objetos com jogos de regras gramaticais.
7. O uso de objetos de aprendizagem é indicado para todas as idades?
Nunes: Não existe receita. Como a idéia por trás dos objetos de aprendizagem é trazer flexibilidade ao processo de ensino, a adequação depende dos objetivos do professor e como ele monta as atividades que fazem uso dos objetos. Muitas vezes ele pode propor o uso de um objeto complexo mas com uma atividade simples.
Gallotta: O conceito é utilizável em qualquer faixa etária a partir da idade em que a criança consiga interagir com um computador. Eu diria que os pré-adolescentes, adolescentes e pós-adolescentes (7 a 17) constituem um público muito propício.
8. Existe alguma restrição no uso dos objetos?
Nunes: O uso dos objetos conforme comentado antes, acontece dentro de atividades previstas pelos professores. Os objetos devem ser escolhidos de maneira correspondente à atividade. Por exemplo, uma atividade para levantar concepções dos alunos de maneira colaborativa pode – quase sempre – prescindir do uso de objetos de aprendizagem. Mesmo nesse caso tenho exemplos de objetos que seriam adequados. O ideal é que o professor seja criativo, saiba planejar bem essas atividades e saiba encontrar os objetos mais adequados.
Gallotta: O objeto não deve ter a pretensão de substituir o professor nem a de cobrir determinado conteúdo de forma autodidata. Deve ser visto como ferramenta de apoio ao ensino de conteúdos e para permitir uma comunicação mais direta entre aluno e professor.
9. O uso de objetos de aprendizagem em escolas públicas seria determinante para melhorar a qualidade no ensino?
Nunes: Se o uso dos objetos for feito da maneira como se faz no LabVirt (USP), onde os alunos são também criadores de objetos de aprendizagem, claramente a melhoria da qualidade no ensino e aprendizagem é enorme. Isso acontece porque esse projeto envolve alguns dos conceitos que se tornaram paradigmáticos no mundo atual: o aluno participa ativamente da construção do seu próprio conhecimento e do conhecimento coletivo; envolve processos colaborativos numa comunidade de aprendizagem; permite que os alunos trabalhem com problemas abertos onde escolhem os assuntos e definem o nível em que são capazes de desenvolver; fazendo uso das novas mídias têm motivação e se preparam para a vida digital etc.
Gallotta: Com certeza é uma ferramenta importante para diminuir a diferença entre algumas escolas públicas e escolas particulares, e promover a inclusão digital mais ampla.
10. Que experiências inovadoras estão sendo feitas em nível mundial?
Nunes: O Canadá tem investido em repositórios de objetos de aprendizagem e o projeto EduSource é um bom exemplo. O uso de objetos de aprendizagem é muito bem discutido no projeto europeu Learning Networks. Cursos onde alunos de ciência da computação, artes e pedagogia produzem objetos de aprendizagem podem ser vistos no projeto Trails.
Gallotta: O Canadá, a Hungria e os Estados Unidos possuem iniciativas interessantes no desenvolvimento de objetos de aprendizagem. Porém boa parte das iniciativas são comerciais e, portanto, distantes do ensino público. As iniciativas brasileiras, MEC (Rived) e USP (LabVirt-LOF) podem ser consideradas best practices mundiais. Nós, da Microsoft, em parceria com várias universidades e instituições de ensino, pretendemos, nos próximos dois anos, consolidar o Brasil na condição de um dos líderes mundiais na produção e pesquisa de objetos de aprendizagem de caráter público.
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